Sem nós
Foi aqui que te conheci. Em mais uma daquelas noites que a
gente só procura diversão. Lembro bem de você chegando e me chamando pra
dançar, lembro da forma leve como sorria e das suas mãos desajeitadas sem saber
onde pousar. Lembro do seu perfume amadeirado, do seu jeans casual e do cabelo despenteado
– macio. Lembro como se fosse hoje. E será
sempre hoje enquanto eu lembrar. Lembro de nós dois sentados na calçada, você
não ligou pros meus olhos borrados e minha descompostura ao tirar a sandália. Pedimos
um táxi e conversamos mais uma hora no portão. Vez ou outra o assunto se perdia
dando voz ao nosso olhar, que pedia. Lembro da sua barba por fazer roçando-me o
rosto. O coração batendo mais acelerado e algo quente, muito quente, dançando
pelo meu corpo. Medo, expectativa, emoção, alívio e felicidade. Nosso primeiro
beijo. Um abraço e um sorriso. Lembro de te ver caminhar de frente pra mim até a
esquina acenando e mandando beijos com as duas mãos – antes de dobrar você
desenhou um coração no ar e, dentro dele, escreveu meu nome. Lembro que nessa
noite não dormi. E te escrevi uma carta – daquelas que nunca mandei. Quando o
telefone finalmente tocou no dia seguinte senti medo de atender. Medo de não
ser você. Medo de ter acordado. A voz rouca quando disse ‘Oi, você está aí?’
escorreu-me leve como quem se livra de um peso. Era você. Saímos, tomamos
sorvete, passeamos no parque. Falamos sobre filhos, sobre música e poesia. Quando
me dei conta já acordava pensando em você, quando vi já estava fazendo contagem
regressiva até a hora de você chegar, quando me dei conta já estava enlaçada no
seu abraço e eu e você já éramos nós. Quando percebi tomávamos banho na chuva,
quando vi estávamos assistindo filmes na sala. Você roubava flores dos canteiros
alheios pra me dar. Quando me dei conta você sumiu. Quando me dei conta você ia
embora de costas, sem acenar nem mandar beijos. Quando me dei conta você nem
aparecia mais. Quando percebi eram outras vozes que falavam do outro lado do
telefone. Quando te liguei uma voz desconhecida não sabia de você. Quando fui a
sua casa encontrei uma placa de vende-se. Me perdi. Te perdi antes mesmo de te achar. E, quando finalmente te encontrei você havia mudado de mim..
E foi aqui que te conheci. E aqui, novamente, eu estou. Sentada,
sozinha em mais uma dessas noites que a gente só quer sumir. Mesa vazia e
coração transbordando. Os dedos beirando o copo de cerveja que é, enfim,
minha única companhia no momento. Sem mim. Sem você. Sem nós. As vozes pareciam
distantes, muito distantes. As luzes piscavam em ritmo triste. A música alta
não consegue abafar a voz – louca, rouca, cansada - que grita seu nome aqui dentro de mim. Tanta gente ao meu redor e eu de olhos vidrados na porta, me perguntando onde estaria você. Por onde anda o amor que um dia partiu antes mesmo de chegar? Tanta gente ao meu redor e eu de olhos vidrados na porta por onde você entrou e nunca mais saiu. - Simone Oliveira
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