Água e sal

Pareço forte, mas já acordei meus pais aos prantos às seis da manhã do outro lado do telefone porque precisava de uma palavra que me fizesse crer em alguma coisa que valesse a pena. Pareço forte, mas já engoli um choro e desabei no quarto mais tarde, sozinha, pra ninguém ver. Pareço forte, mas já precisei de dois braços estendidos na minha direção. Já fui pequena e coube em um abraço. Já me escondi em vontades e verdades que não eram minhas, já descansei em um colo quente e não quis ir embora. Já fui embora diversas vezes com vontade de ficar. Também já fiquei, sabendo que deveria ir. Já fui com convicção e quis voltar. Já voltei e não encontrei o que deixei. Já achei que tinha um amor eterno que não durou o primeiro aniversário. Já fui enganada – por mim e pelos outros. Já perdoei e nunca esqueci. Mas já me livrei de muitas mágoas também. Pareço forte, mas já me senti sozinha no meio da multidão, já me senti a pior das piores de todas as piores, já perdi o sono no meio da bagunça dos meus pensamentos, já sorri com vontade de chorar. Pareço forte, mas sou apenas uma reles humana passível de dor.
...
E nas manhãs de céu cortinado, o travesseiro molhado é quem entrega o estrago da noite que passou, apenas passou. Porque tem noites que a gente precisa apertar o play naquele repertório-proibido e se deixar vazar em troca de um pouco de paz, não sei, algo que acalente, conforte e segure a onda até a próxima vez. Tem noites que a gente só precisa ouvir o silêncio sem questionar suas verdades. Olhos cansados, boca ressecada; um retrato no espelho ao avesso. Um avesso que teima em não se reconhecer, em se perder, em se doar e se doer. Água e sal. Lágrimas que borram e desfazem o sorriso-nosso-de-cada-dia que tentamos disfarçar. Inútil - o sorriso ou a tentativa? Talvez os dois. Tem noites que as vontades sufocam, as lembranças chovem pela cama em fotografias desbotadas e o choro se vai em letras borradas nos papéis amassados que se amontoam pelos cantos, enquanto o relógio se arrasta em um ritmo que não condiz com a velocidade do filme que [re]passa em sua mente. O tempo para e o seu tempo voa. I’m outta time.
...
Pareço forte, mas já passei noites em claro de rosto colado no travesseiro molhado. Já dormi cheia demais. Já acordei vazia demais. Já chorei de alegria – e de tristeza também. Pareço forte, mas não sou. Porque, na verdade, ninguém é tão forte o suficiente pra se enganar e desviar da dor. A gente sofre porque é preciso doer. Porque a gente é água e sal. E quando toca na ferida, sempre arde.


Comentários

Ariana Coimbra disse…
Você não parece ser forte, você é.
As feridas que ás vezes doem é só pra gente não se esquecer das lutas diárias.

Lindo texto!


Beijos
Simone Oliveira disse…
Verdade, Ari..

Beijos..
Quanto mais doemos, mais forte ficamos. Nos tornamos fortes justamente porque as feridas nos lembram e nos atormentam, impulsionando nossa luta, nossa caminhada. É aprendendo a ser pequeno que logo nos tornamos gigantes.

Lindo texto Simone. Sua sumida rsrs

Beijo!!
Brunno Lopez disse…
Dizem que as lágrimas temperam a alma, não importa a estação do ano ou a hora do dia. Isso certamente pode não fazer das pessoas mais ou menos fortes, mas o nível de honestidade é tão alto que respeitamos automaticamente.
Todos temos nossos demônios para domesticar e anjos para dobrar, é uma máxima constante.

Acredite, existe força nesse texto suficiente para gerar energia à países inteiros.

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