Pretérito mais-que-perfeito

Pessoas marcantes, quando vão embora, deixam uma ferida aberta no coração.

— Talvez ela não acredite, mas sinto falta. Falta da implicância com minha barba por fazer, dos cabelos pelo quarto, da música escrota que ela ouvia e coreografava aos risos pra me roubar atenção, falta da escova de dentes ali ao lado da minha. Falta dela no meu travesseiro. Talvez ela custe (ou se recuse eternamente) a acreditar que ainda gosto dela. Ainda rolo pela cama de olhos abertos e embargados em meio às recordações não mais tão vívidas na memória. Nem tudo tem que ser fácil – agora isso faz sentido. Ouço aquela música (uma das poucas) que me faz chorar e mergulho no sal que é a saudade quando inunda a alma, quando encharca por dentro e transborda por fora levando tudo feito uma onda gigante, afogando minha felicidade. Acendo um cigarro na tentativa de queimar cada sorriso que escorre em gotas pelo meu rosto, cada flash que confunde minha retina e te reproduz em cada esquina, em cada passo, em cada cabelo longo balançando nas costas que se vão. Mais um cigarro, algumas estrelas, a lua, carros, brisa leve, músicas que levam abaixo minha honra (leia-se covardia) masculina de não chorar. O mundo inteiro lá fora e o vazio aqui dentro por entre a fumaça turva que me avermelha os olhos - mais. Arrisco algumas notas no violão, melodias incertas de um tempo preciso, um tempo pretérito-mais-que-perfeito. Mais um cigarro. Talvez as minhas vontades não satisfaçam mais minhas necessidades. Talvez minhas necessidades sejam apenas um leve engano que fez névoa no meu quarto e não me deixa ver mais além. Talvez o além não seja lugar nenhum, afinal. Talvez eu me perca em lugares que antes me encontrava ou, talvez, agora tenha, enfim, encontrado o lugar de onde sempre me perdi - o que é pior. Talvez a gente não pense muito nas coisas que não imaginamos nunca acontecer, talvez a gente tenha que se arrepender e remoer e lembrar e chorar e não dormir algumas noites pra realmente viver o que, um dia, lá atrás, passou meio despercebido. Talvez a gente tenha mesmo que se perder de vez em quando pra, quem sabe, de repente se descobrir outra vez. Me queimo por dentro.

— É fácil falar quando a merda já foi feita, é fácil chorar e se doer e passar noites em claro quando o barco já afundou há séculos, embora algumas palavras flutuem eternamente por aí. É fácil pra ele. É fácil convencer o mundo, difícil é mentir pra si mesmo quando a saudade esfrega na sua cara um sorrisinho debochado de ‘oi, te venci, viu só?’. Mas, enfim, apesar de tudo, ele tem uma parte considerável no que restou do meu coração. Apesar de tudo, ainda lembro e penso e também rolo pela cama em busca de respostas sem perguntas. Meio paradoxal nossa questão. Sigo em frente, mas não deixo de olhar pra trás. Quem sabe um dia a gente se avista. Por enquanto, não posso esperar.

— É, pode ser fraqueza ou, mesmo, querer demais, mas talvez, um dia, ela acredite e me espere, quem sabe. Quem sabe um dia ela volte, quem sabe uma hora a gente se esbarre, ou se abrace. Se perca ou se encontre. Acertando ou errando, pode ser que um dia tudo se encaixe na melodia incerta do nosso passo. E, mesmo parecendo meio tosco, dure eternamente. De novo.

Ao som de Dear God

Comentários

Unknown disse…
Esplendido. (palmas)
É sempre palpável a verdade dos seus diálogos Si! Das incertezas de um romances- volta, não volta - a verdade de um sentimento que persiste.
Lindo!
Beijoca.
Ariana Coimbra disse…
Essa espera, esse olhar pra trás e a saudade sempre mostrar quem é que manda é o que nos mata ás vezes.

Tão lindo flor!

Beijos
Unknown disse…
Que lindo, adorei! Adorei além do texto. haha
Beijos, caferesia.blogspot.com
Mafê Probst disse…
Lindo, Si! Lindo!
Senti o vazio fumacento daqui. Tão triste "/

O mundo inteiro lá fora e o vazio aqui dentro por entre a fumaça turva que me avermelha os olhos - mais. Arrisco algumas notas no violão, melodias incertas de um tempo preciso, um tempo pretérito-mais-que-perfeito.

lindolindolindolindolindo

Que a eternidade dure para sempre. E que não seja tarde demais.


Beijinho,
MF
Gabriela Freitas disse…
Se eu falar que quase chorei da pra acreditar? Sei lá, me lembrou tanto alguém que eu queria que sentisse minha falta...

lindo

http://denovomaisumavez.blogspot.com.br/
Simone Melo disse…
Lindo, lindo... *-* Que maravilha de texto.

Beijoo
Você dialogo com tanto amor Simone. Faz-nos perceber que o sentir por vezes é duro de sentir, por causa dos desencontros. Mas os verdadeiros amores nunca vão. Ficam. E isso é difícil de mensurar. A gente se afunda em tanto talvez, que talvez esquecemos de simplesmente embarcar na doce viagem do dia a dia. Pra espairecer e crescer - e o amor conhecer.

Amar nunca é fraqueza.

Beijo Si!

Saudade...
Brunno Lopez disse…
Uma vontade de que a eternidade se repita. Esse conceito é tão rico apesar da suave melancolia do texto. Quando existe sinceridade em dois lados, é difícil de abandonar. Mas destinos encontram razões diferentes do nosso tempo, impossível de saber o que procurar no lugar.
Mas se volta, é preciso estar pronto.

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