Depois do tédio


Tédio nosso de cada domingo, que vem e se vai de mansinho escorregando por entre a vontade danada de algo diferente no intervalo dessas trocas frequentes de canal ou, quem sabe até, no breve instante em que fechamos os olhos pra voltar lá atrás, mesmo sem querer. Tédio [para-que-te-quero] que teima em ser só meu. E aí eu corro pro bloco de notas e deixo escorrer pelas pontas dos dedos alguma coisa quente que passeia dentro de mim. Alguma coisa que nem eu mesma sei o que é.
O céu rosa alaranjado faz um véu sobre o brilho tímido das estrelas que, aqui e ali, disputam uma vez no espetáculo do cair da noite; e de repente a chuva vai caindo bem de leve, sem pressa e ritmada num passo tranquilo de quem não quer ir, não agora. O vento vai soprando devagar fazendo dança nos fios de cabelo que caem desarrumados do meu coque improvisado e, brincando atrás da minha nuca, vai levando embora esse medo, todo meu, de pensar.
No apartamento do lado, meu vizinho arrisca umas melodias doces no violão, uma letra que diz que “o vento vai dizer, lento, o que virá”. E a chuva cai. A chuva vai. A chuva leva embora o tédio que me habita vez ou outra num domingo de sempre qualquer. A chuva lava a sujeira que acumula ali no canto. Da varanda, uma estrela me sorri, solitária. Feliz, do jeito dela.
As notas correm, soltinhas, dando risadinhas leves da minha cara de boba. As cordas vão se alternando em sincronia. As letras despertam uma garota-mulher adormecida no meio da estrada depois de um desencontro, um dos tantos caminhos por onde se perdeu, por aí, sei lá onde. A melodia me fala do que já sei. Mas, vez em quando, pareço esquecer. Hoje, sei de novo. Amanhã, talvez esqueça. E o ciclo vai se repetindo em lembretes rabiscados na agenda. O vento sopra e brinca de vai-e-vem, fazendo um carinho aqui e acolá. Fala de um tal tédio que se foi e deixou a porta entreaberta. Chove lá fora e aqui dentro, o sol, prontinho-prontinho, já quer nascer de novo. Pra outro dia. Claro. Pra outra vez. Mais uma vez. Pra outro amor, quem sabe. De verdade.

Comentários

Fer Castro disse…
Um texto calminho, meigo e apaixonante. Adorei a forma tão sensível como você escreve. Cheguei para retribuir a visita, tô ficando! Beijo!
Unknown disse…
Que doce, gostoso de ler, o tempo passou na leitura e nem vi! Muito bom!
Mafê Probst disse…
Rotinas. Domingos. Amores-perfeitos. Quem sabe?


PS: lindo-divino-uó o teu layout, só como sempre.
Simone Oliveira disse…
Aaah, Diogo! Obrigada pela visita.. Mas por que não disse que vinha? Tinha dado uma "arrumada" na casa! rs

Beijos
Simone Oliveira disse…
Tédios nossos...
MF, sério? Vou dormir feliz, hoje! rs

Beijocas
Loize Carol disse…
Ao menos esse tédio, serve para que rabisque palavras mansas.
Sinceramente, desejo que estes tédios de domingo, continuem a te perseguir. ;*
O tédio acumula e dissimula. O púlpito da alma saboreia a alternância das sensações. Tanto que vai e vem. Tanto que vem e fica. Quantas coisas que surgem no tédio. Quantos caminhos aparecem na possibilidade de refletir, de se deixar levar pelo braço firme das escolhas. Tédio nosso que surge para desbaratinar. Tédio nosso que flui para nos aquecer. E para lembrar que podemos, a poesia, encontrar.

Simone, seu texto me preencheu com uma ternura sem igual. Que delicadeza o modo de escrever. Senti os sentimentos escorrendo dos dedos como se fossem folhas flutuando e dispersando pelo ar, de tão sutil derrame. A leitura flui de forma mágica. É o texto que por vezes parece nos ler, e não o contrário. Coisa linda tu és. Você escreve com o coração. E adoro isso...

Voltarei mais vezes, se permitir.

Beijo!!
Liberdade. disse…
com licença?

boa noite!

Apaixonante texto e não menos o seu blog!

um abraço!
Simone Oliveira disse…
Ah, muito obrigada! Volte sempre..

Abração!
Simone Oliveira disse…
Ai, que lindeza de comentário, Alexandre! Ganhei o dia, viu. Muito obrigada pelas visitas e pelas doces palavras.

Beijo grande!
Ariana Coimbra disse…
Tédio nosso de cada domingo, sei bem o que é isso.
As horas não passam, os pensamentos atordoam, sentimentos se confundem e ás vezes o que nos resta mesmo é escrever.

"Você poderia estar caminhando por aí, está um dia lindo como sua mãe mesmo disse. Podia estar com as amigas em uma conversa agradável. Podia estar simplesmente tocando violão e cantando, não pra ninguém. Pra você, por você. Poderia estar ao telefone com uma amiga, poderia estar trocando mensagens com o garoto que gosta, poderia estar tomando sorvete na sorveteria da esquina, estar andando de patins, lendo, arrumando seu quarto, seu armario. Poderia estar relendo aquele livro velho e já esquecido só para sentir novamente as sensações que ele já lhe trouxe um dia e que ainda estão ali, reservadas. Poderia estar desenhando, nada muito bonito, somente coisas estranhas e tortas.
Mas não. Esta aí sentada pensando e admirando sua capacidade de ser entediante. E pensando que poderia morrer assim, exatamente dessa forma, sentindo o frescor da inutilidade em ser rosto. O Frescor do mais puro tédio.
Tédio...Tédio...E mais tédio.
Não é só não ter o que fazer, e não querer fazer nada. Absolutamente nada.
Ter medo de começar tudo de novo. De encarar a realidade novamente e ser espancada com a sua mais bruta crueldade.
São lições do tédio. As que você não vai esquecer e que vão voltar quando você achar que já aprendeu tudo."
`Parte de um texto meu!

Beijos
Cuecas no Varal disse…
Tédio nosso de cada domingo!
Tenha uma linda semana, linduca!
<3
Beijos!
Oi Simone, eu agradeço de coração a linda e terna visita que fizeste no meu blog. Obrigado pelo carinho, pelas palavras afetuosas. Tu és uma simpatia. Espero de verdade que nunca deixe de me visitar. Ficaria muito feliz.

Um beijo. Te cuida!

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